O sistema eleitoral norte-americano

By ILAIS Associate Director Livia Lopes, J.D.

Texto por Livia Lopes, Vice-Diretora ILAIS

O sistema eleitoral norte-americano é um sistema particular, distinto de várias outras democracias nas Américas e no mundo. Existem apenas dois partidos grandes, o Partido Republicano e o Partido Democrata. Ainda que haja outros partidos pequenos, apenas o Republicano e o Democrata têm recursos suficientes para competir nas eleições nacionais, tornando o sistema, na prática, bipartidário. Os partidos pequenos em geral só têm abrangência a nível estadual ou local.

O ganhador/a é eleito/a por maioria simples (first past the post – primeiro a alcançar a linha de chegada, em tradução livre), não se exige maioria absoluta. Além disso, o sistema político americano é bastante baseado no poder eleitoral dos Estados. Há várias estruturas que saem dos poderes políticos dos Estados que são relevantes para as eleições federais, como o colégio eleitoral.

As eleições nacionais nos EUA são para a Câmara dos Deputados, o Senado e a Presidência. Há um total de 435 representantes na chamada Câmara Baixa (House of Representatives) do Capitólio americano e eles têm um mandato de 2 anos. A proporção de representantes é distribuída conforme a população de cada Estado.

A Constituição americana a prevê a realização do Censo, que ocorre a cada 10 anos. Em 2020 está acontecendo mais uma edição do Censo e contando-se cada indivíduo residindo no país, independente de seu status legal. Com esta contagem, irá se definir quantas pessoas vivem em cada Estado e então irá se dividir a quantidade de representantes pelos Estados, respeitado o teto de 435.

Já no Senado, a Câmara Alta do Congresso Nacional dos Estados Unidos, cada Estado tem 2 representantes, independentemente do tamanho de sua população, totalizando 100 Senadores, uma vez que são 50 Estados. Eles têm mandato de 6 anos e a razão do termo mais longo é para assegurar que estejam menos sujeitos a pressões populares, podendo exercer a legislatura com maior independência. Originalmente, nos EUA os senadores eram eleitos através das legislaturas estaduais. A aprovação de uma emenda passou a permitir a eleição direta de senadores pela população.


A PRESIDÊNCIA

A eleição nacional para a Presidência é a que mais suscita interesse nos estudos comparados, propriamente por ser o sistema eleitoral para a Casa Branca peculiar. E como ele funciona?

O voto é indireto, ou seja, o presidente não é eleito pelo voto popular direto, como ocorre no Congresso (Câmara e Senado). A instituição que escolhe o presidente é o Colégio Eleitoral, que tem previsão constitucional e é composta por delegados escolhidos a nível dos Estados. Sua criação deriva de um compromisso firmado entre os Estados durante a constituinte de 1787. Os Estados, que eram quase como países independentes, queriam manter alguma capacidade de influir no processo de escolha à presidência. E a solução de compromisso encontrada foi a criação do colégio eleitoral. 

Não por outro motivo, no sistema americano é possível que um candidato ganhe pelo voto popular, mas perca no colégio eleitoral, perdendo, assim, as eleições. É o que ocorreu nas eleições de 2016 com Hilary Clinton e Donald Trump, e em 2000, quando o democrata e então vice-presidente Al Gore perdeu as eleições para George W. Bush. Isto também já havia ocorrido em 1876 e 1888, todos estes períodos de significativa polarização.

A quantidade de eleitores do colégio eleitoral é igual ao número das delegações de cada Estado no Congresso Nacional (deputados e senadores). Por exemplo, a Califórnia tem 55 delegados no colégio eleitoral porque tem 53 representantes na Câmara mais 2 senadores. Estados menores (Montana, Wyoming, North Dakota, South Dakota, Alasca) têm pelo menos 3 delegados, que incluem seu único representante na Câmara e os dois senadores. A capital nacional, Washington, DC, que não é um Estado, mas sim um Distrito Federal, tem direito a três delegados também, embora não tenha representantes no Congresso Nacional.

Por sua vez, as regras para a escolha dos membros que irão compor o colégio eleitoral variam conforme o Estado. Na maior parte deles os delegados são indicados nas convenções partidárias e seus nomes entregues à autoridade eleitoral estadual. Recorde-se que não existe nos EUA uma justiça eleitoral centralizada, como ocorre no Brasil com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A maior parte das questões é definida pelos Estados em seu próprio âmbito – daí a menção no início deste artigo ao forte poder político detido pelos Estados -, ou, quando muito, a contenda pode ser levada à Suprema Corte.

Os delegados que integram o colégio eleitoral são selecionados pelos eleitores no dia das eleições. Apesar de usualmente o nome dos mesmos não aparecer na cédula de votação, quando os cidadãos em cada Estado votam para o seu candidato à presidente, eles estão tecnicamente lançando seu voto para a lista de eleitores que representam aquela chapa.

Há 538 delegados no total, divididos conforme a figura abaixo. Nas eleições presidenciais, o ganhador também é escolhido por maioria simples, mas dentro do colégio eleitoral. É a obtenção da maioria no colégio que importa – ou seja, 270 votos.

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Na maioria dos Estados vigora a regra do winner takes all (o vencedor leva tudo, em tradução livre): qualquer que seja a chapa eleitoral do partido que receber mais votos populares, fica com todos os votos eleitorais dos delegados. Há duas exceções, contudo: Maine e Nebraska. Estes Estados dão dois delegados para quem quer que ganhe o Estado geral e, em seguida, um delegado para o vencedor de cada distrito congressional individual.

Se nenhum candidato obtiver a maioria dos votos eleitorais, o Senado escolhe o vice-presidente e a Câmara, o presidente. Mas a decisão da Câmara funciona de forma diferente do normal: a delegação de cada Estado tem direito a um único voto, o que significa que os grandes Estados têm o mesmo peso que os pequenos, semelhante ao que ocorre no Senado (em que cada Estado, a par do tamanho de sua população, tem direito a 2 membros cada, consoante acima referido).

Em dezembro, em uma cerimônia pró-forma, os delegados lançam seus votos para presidente e vice-presidente, e, em tese, devem acompanhar a votação popular de seu Estado. Em raras ocasiões na história alguns delegados votaram em um candidato diferente do esperado - os chamados “eleitores infiéis”, cujo comportamento é protegido pela Constituição. Todavia, uma decisão recente da Suprema Corte declarou que o Estado pode exigir que os delegados apoiem o vencedor do voto popular e punir ou substituir aqueles que assim não procederem. Os votos são contados em sessão conjunta do Congresso e o presidente é eleito oficialmente. Ele então tomará posse em 20 de janeiro.


O QUE ESPERAR PARA AS ELEIÇÕES DE 2020?

O que esperar para as eleições é uma grande pergunta. A história está passando em frente de nossos olhos minuto por minuto, em uma velocidade avassaladora e em meio a um ambiente de intensa tensão política e enorme divisão social.

1. COMPETIÇÃO NOS ESTADOS-PÊNDULO (SWING STATES).

Com o sistema de colégio eleitoral, a decisão acaba dependendo dos chamados Estados-pêndulo ou Estados-chave. Há Estados que são dominados por um dos dois partidos, como Nova Iorque ou Califórnia, no caso dos democratas. Mas há também os chamados Swing States, em que a margem de vitória para o candidato de um partido ou outro oscila. A vitória neles depende da capacidade dos partidos, campanhas e candidatos de conseguir os votos de suas bases.

Estes Estados indecisos são Colorado, Iowa, Nevada, New Hampshire, Carolina do Norte, Ohio, Michigan, Minnesota, Wisconsin, Flórida, Virgínia e Pensilvânia, de acordo com a FiveThirtyEight (2016). Para as eleições de 2020, a consultoria identificou que o mapa eleitoral está experimentando uma série de mudanças, mudanças estas que já haviam começado nas eleições de meio de mandato – as chamadas midterms – em 2018.

2. VOTO PELOS CORREIOS E FAKE NEWS

Nos EUA, o voto pelos correios já existe há anos e é comum em Estados como Oregon e Utah, mas a pandemia do Covid-19 aumentou consideravelmente o uso deste canal, fazendo com que os Estados tivessem que elevar sua capacidade. Em geral, a votação pelo correio começa uma ou duas semanas antes da data da eleição, que este ano ocorre em 03 de novembro. Mas em vários Estados a votação por correio (e também a votação presencial antecipada, chamada de early voting) está ocorrendo há semanas por conta da situação de exceção atual.

É difícil haver fraude nas eleições americanas, mesmo que pelos correios. O maior problema é a percepção de fraude pela população, uma vez que há um candidato bradando abertamente sobre esta possibilidade e dados os tempos de forte tensão. Além da difusão de fake news, as quais inegavelmente exerceram influência sobre as eleições de 2016.

3. MOBILIZAÇÃO DOS ELEITORES

Nos EUA o voto é facultativo. É preciso usar pautas para mobilizar as bases a votar: Black Lives Matter versus Law & Order; imigração versus nacionalismo; Covid-19 e ciência versus negacionismo e teorias da conspiração; recuperação econômica, enfrentamentos com a China (tecnológico, comercial, diplomático, Covid), Rússia, calamidades climáticas, etc.

A importância do voto das minorias é considerável, podendo mesmo decidir as eleições: mulheres, negros, latinos, imigrantes em geral, asiáticos, indianos, minorias religiosas, e ainda os eleitores desiludidos.

4. INTERVENÇÃO JUDICIAL

Como vivencia-se um momento altamente polarizado e uma situação bem apertada nos votos em alguns Estados, é possível que um candidato/partido venha a pedir a intervenção judicial. O atual Presidente Donald Trump já declarou repetida e abertamente que pretende recorrer à Suprema Corte americana caso perca, pois, segundo ele, o resultado das eleições será fraudado. Em verdade, neste momento, os dois partidos estão se preparando para recorrer à justiça para contestar/investigar o resultado das eleições em cada Estado.

Vale uma nota para mencionar a recente chegada da juíza Amy Coney Barrett à Suprema Corte, indicada por Donald Trump para a posição da festejada ex-juíza associada Ruth Bader Ginsburg, falecida em setembro. Caso não se declare impedida, a Justice Barrett pode exercer papel importante em hipótese de judicialização do resultado das eleições – ou de questões relativas a procedimentos adotados, como a data limite para contabilização pelos Estados de votos enviados por correio.

5. OUTRO INCIDENTE?

Já houve a contaminação do atual presidente Trump pela Covid-19 há algumas semanas atrás, na reta final da corrida eleitoral, acarretando o cancelamento do debate presencial e a negativa pelo presidente de participação no formato virtual... Haverá outro incidente?

É esperar para ver.  

Image: AFP / Jim Watson / Saul Loeb

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O legado da juíza Ginsburg e as mulheres no direito brasileiro